quinta-feira, 19 de maio de 2011

O martelo de Thor


Meus agradecimentos ao estudante da Formação Interdisciplinar I da UFOPA que me deu idéia para a discussão.

Nas turmas que tenho trabalhado na UFOPA, tenho buscado levantar discussões sobre a natureza do conhecimento científico. Trata-se de um tema que deveria (penso eu) ter amplo debate público, tal qual educação e saúde, pois, apesar da pretensa urgência destes assuntos em relação aos demais, debater como a ciência está inserida na sociedade pode levar a desfazer mitos e equívocos que têm permanecido na mídia e na educação acrítica e mantêm a ciência "acima de qualquer suspeita".

Um dos principais (e piores) mitos sustentados pela/sobre a ciência é o de sua neutralidade. Como se o conhecimento científico fosse produzido sem qualquer intervenção social, política, econômica ou cultural, como se cientistas fossem seres despersonalizados que deixassem sua identidade de lado ao iniciarem suas pesquisas, como se a motivação da ciência fosse pura e simplesmente o prazer de conhecer e o dever de salvar a humanidade. Enfim, uma idéia supostamente inofensiva, mas que pode ser problemática, em primeiro lugar, ao impossibilitar a discussão sobre o fazer científico.

Se a ciência traz benefícios ou malefícios, diz quem a acredita neutra, é a forma como ela é utilizada que define. Isto é, podemos julgar a tecnologia, a aplicação de descobertas científicas para fins específicos, mas a própria produção de conhecimentos estaria isenta de crítica. Lancei este questionamento nas turmas da UFOPA a partir da seguinte frase: "A ciência não é má; o uso que se faz dela é que pode ser". Apesar de já termos trabalhado com vários epistemólogos críticos que implodem qualquer pretensão de neutralidade na ciência, a maioria dos estudantes concordou totalmente com a frase. Aí vem o título do texto: um dos estudantes chegou a comparar a ciência com um martelo, pois dependendo de quem o utiliza, podemos ter uma ferramenta útil ou uma arma.

A comparação procede? Para mim, sim. Mas com algum ajuste: em vez de um martelo comum, a ciência me parece mais o martelo de Thor, deus nórdico tornado herói pelos quadrinhos e relembrado pelo cinema este ano. Este martelo, símbolo de poder, é o que confere força ao filho de Odin, tornando-o invulnerável e invencível. Ele o utiliza para punir tanto quanto para fazer justiça. Nos quadrinhos, o martelo é objeto de desejo dos vilões de Thor, que o querem apanhar para obter poder semelhante. Mas, nesta comparação, o martelo não continua neutro? Creio que não. A ciência é poder, como o martelo, e muitos são os que querem ser donos do poder que ambos conferem. Se este poder vai ser bem ou mal utilizado, é uma questão mais complexa do que parece à primeira vista.

Podemos questionar o artefato divino? Talvez estudando a mitologia nórdica. Bem como questionar a ciência, estudando-a, compreendendo-a, passando-a pelo crivo da crítica sóbria.